11 Poemas de Vilma Silva

Vilma Silva é formada em literatura de língua portuguesa, inglesa e russa. Nascida em Minas Gerais e filha de contador de histórias, ouviu seu pai narrar longas histórias que se imprimiram em sua imaginação. Foi essa experiência infantil que a guiou para o estudo da literatura e a levou a dedicar-se aos livros.
Em sua jornada profissional, cuidou da organização e edição de coletâneas de contos populares russos, húngaros, chineses, ingleses, noruegueses, entre outras obras.


Selecionou e organizou: Contos de Natal (Landy, 2005); O Guardador de rebanhos e outros poemas: Poesia completa de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. Apresentação e Apêndice da organizadora (Landy, 2006).
Traduziu e publicou obras da tradição oral e mítica dos povos, entre as quais: Contos de Fadas Indianos e Mais Contos de Fadas Celtas (Landy, 2001 e 2002: Coletâneas organizadas por Joseph Jacob); Mitos Universais (Jean Lang). Apresentação, adaptação e notas da tradutora (Landy, 2002, 2003).


Dedicou-se também a recontar histórias das tradições populares e míticas. Publicou: Contos de Magia e Mistério da Irlanda (Princípio, 2007); Contos de Aventura e Magia das Mil e uma Noites (Princípio, 2007).
Atualmente se dedica a escrever poesia, histórias para crianças e contos-crônicas.

Vilma Silva – Poemas para o Blog Ditirambos

A mesa agarra minha mão
seu peso flui corpo adentro.
Transversal ao tempo
o Eu me alonga mãos
e me arrebata o corpo seu nenhum

ALVA

☺ a beleza tem mil asas
convicta calma e bela
a beleza anda silente
obliqua a luz
e a paisagem se dobra

A BELEZA

☺ a poesia tem muitas formas de se engendrar
em mesma lei o fenomênico tecido
as minúsculas cordas no reverso
engendra o anverso especular
forma do verbo|
|uni verso|

☺|—tudo é poesia
adeus—|

*

VAGAS AVARAS, VOZES VAGAS

O lendário mar apascenta águas e ascende
vagas avaras, veleiros de vozes vagas
violas veladas que em novelo o som lacra
e o velame o tempo entrega ao vento vigente

Vozes veladas, veleiros de vozes sacras
O ambulante mar novelos de afã divaga
E os ventos acata adiante entre mãos d´água
Vozes avaras, velames de violas vagas

O poema os ventos colhe entre mãos de adagas
Laudas votivas ecoam em ceia lauta
Vozes veladas, velames de vozes vagas

Veleiro que entoa os dons da esquiva jangada
Agudas adagas que entre vagas deságua
Vozes veladas, velames de vozes vagas

*

À BEIRA DA VERTIGEM

Fervor são teus olhos amplos de vertigem
A penumbra veste a hora em seu matiz
Coladas às tuas minhas mãos te exigem

Brilha o céu na linha curva onde já vigem
Franjas de purpúrea cor e tons febris
Fervor são teus olhos amplos de vertigem

A luz compõe o céu em fogo e a origem
da cor de amora que em nós exalta e fulge
Coladas às tuas minhas mãos te exigem

Esse fulgor febril nossas mãos atingem
À borda da encosta que a noite encobre
Fervor são teus olhos amplos de vertigem

Estreitando o tempo sem nenhum desdém
A noite se dissolve em um clarão de cobre
Coladas às tuas minhas mãos te exigem

E quando a manhã abrir seu novo orbe
Seremos a manhã coberta de ouro e cobre
Fervor são teus olhos amplos de vertigem
Coladas às tuas minhas mãos te exigem

*

SONETO 3X6

QUANDO o amor me acolher estarei pronta para as noites de outubro
lá verei a manhã na transparência de me olhar teus olhos gris
ávidos de enlear a minha escura lua de outono no rubro
sol da minha primeira idade após a primavera em que me fiz

agente só de mim, a sorte fez o que vigente sei por fim
sei que não sei o quê me esconde a lei e afinal me deserta a vez
de ser o que em curvas se desdobre para além do estar em mim
e ver nos olhos meus a luz estender na manhã a fluidez

que águas outonais inundam meu olhar em ardor de estopim?
apenas sou adorno de cristais ante a fonte que a mais me fez
clarão vertido ao som das muitas eras em que a teu descanso vim

chamo aquele que trouxe sobre a esfera do mundo o sol e a fluidez
e o céu que sobre mim pendura luzes de seda e me apõe a vez
no domo dos meus olhos que expande e grita o abrigo afinal em mim.


ouço as acácias no cerne do seu caule.
Na borda do meu nariz as cerejeiras abrem flores
e dos umbrais de meus olhos deságua
o bordado do tempo entre minhas mãos

caminho beiras ocidentais em um céu morno
os séculos passam e me enlaçam os ermos,
escurecem os sois enquanto os meus anseios
desabam em precipícios acesos dentro

antro de horas noturnas que soluçam
entre poções de ausência e abandono
os fogos inextinguíveis de minha espera,
chamas acesas que meus desertos queimam


CORDÉLIA, FILHA DE REI LEAR

don’t say me idle words!
ando dentro
a escuridão cheia de luz.

amaldiçoada não:
atravesso as labaredas da forja humana
e alcanço o eu sou o que sou.

afirmo
minha vida selvagem
a luz que vibra
no escuro mundo em que sou
nós


salve, ó deuses
em vossas aras
deposito meu triunfo

*

personalidade

O estilo é a fisionomia do espírito — disse o iluminado Shopenhauer.
Cada palavra é uma obra poética — disse o estético Borges.
O estilo é o homem — disse o sintético Buffon.
Essa é toda gramática em que me apuro — diz a triunfante Cordélia.

*

RETORTA

Poesia julga não
da razão
jugula o jugo
siso ou tino
juízo sensato da razão

siso e tino
do fogo
a poesia acende o inciso
destino
da poesia o fogo

*

GIZ SOBRE TELA ESCURO-BREU

eu e o outro
espelhos que se olham…

eu a me olhar de fora
o Eu ad infinitum dentro

em quais existências
mora espelhos dentro
esse ente inverso?

*

O NASCITURO

útero de minha mãe:
passagem
à imagem e semelhança de mim

despejado no mundo
contemplo a luz:
súbita vertigem do ser

*

O NASCIDO

me resultei estar do lado de cá
velejo sozinho ao lado
entre múltiplos Eus

infinitamente Eu:
nunca acabo de existir

Vilma Silva

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